MORALIDADES: Como temperamos os nossos relacionamentos?

Chegou a hora do segundo contributo nesta rúbrica do nosso jornal “Ao Largo”. O desafio assumido em setembro, a partir do convite lançado pela professora Maria Esteves, é contribuir com algumas reflexões que promovam os valores pelos quais a Família João Paulo II se rege e que, no quotidiano das suas atividades, incute em todos os seus membros.

Nesse sentido, o lema “Valores e Futuro” é assumido como uma vocação da comunidade educativa na formação dos seus membros, particularmente os que se encontram em maior evolução e crescimento. O cultivo de virtudes humanas e morais favorece o desenvolvimento integral da pessoa humana e capacita-a para as tomadas de decisão que se esperam maduras, ponderadas e pautadas pelo sentido ético e humanista.

Em cada mês iremos refletir sobre uma virtude em particular e tentar entender como a sua implementação pode enriquecer as nossas interações. Iniciamos este percurso com a Virtude da Temperança.

A primeira associação que esta virtude nos sugere é com a palavra “tempero” que, de um modo geral, nos reporta para a harmonia e equilíbrio de sabores que a combinação de ingredientes e especiarias proporcionam na confecção de uma determinada receita culinária. E, na verdade, essa associação não é de todo descabida, na medida em que a temperança é a virtude que promove o equilíbrio físico, psíquico e mental e que vai permitir a “degustação” do melhor sabor que a vida nos pode oferecer: saúde e bem-estar, quer no campo pessoal que no campo das inter-relações.

A temperança é a virtude que conduz ao domínio das paixões, dos desejos e instintos pessoais, levando o ser humano ao cumprimento dos seus deveres e à maturidade.

A temperança é uma das seis virtudes descritas por Peterson e Seligman (2004) num estudo sobre virtudes e forças no âmbito da Psicologia Positiva. Esta virtude refere-se à moderação de ações, sentimentos e pensamentos. Possuir temperança implica viver em equilíbrio e harmonia, colocar limites saudáveis e controlar impulsos. Ela representa o equilíbrio entre dois extremos: a autoindulgência e a insensibilidade. Autoindulgência significa ser demasiadamente tolerante com seus próprios caprichos e exceder os limites impostos pela razão. Insensibilidade diz respeito à falta de resposta emocional, em não desejar o que a razão recomenda.

O que a temperança nos mostra é que o equilíbrio está no meio, ou seja, não se entregar a excessos e não se privar dos prazeres da vida são atitudes que contribuem para elevar nosso bem-estar.  Por isso, a temperança é uma espécie de moderador de temperamento: por um lado controla os nossos excessos, mas por outro não reprime a nossa vontade nem nos priva do que nos é agradável. Ajuda-nos a combater os excessos do egoísmo e da arrogância e a cultivar a humildade e a prudência. Viver a temperança é colocar os temperos na dose certa. Quando devo colocar força, quando devo moderar, quando devo serenar. Assim como o excesso de sal ou de qualquer outro ingrediente pode tornar uma refeição intragável, assim nós, nos nossos relacionamentos, nos podemos tornar azedos, salgados, amargos com os demais e, por isso, intragáveis, devido ao nosso temperamento. Somos dotados dos melhores ingredientes (capacidades), mas a sua combinação e o doseamento das especiarias (temperamentos) não estão a permitir que os outros saboreiem a nossa presença, o nosso convívio ou a nossa maneira de ser e de estar. Quando nos sentimos incompreendidos, somos realmente vítimas da apreciação dos outros? Ou será que o tempero com que nos apresentamos não evidencia o sabor da nossa personalidade?

Vale a pena deixar alguns exemplos de situações  que possam favorecer a nossa reflexão:

É importante controlar os excessos nas minhas reações. Se sou ofendido, não devo reagir instintivamente, pagando na mesma moeda com outra provocação. Quando vejo os meus amigos a discutir agressivamente sobre algum tema, devo intervir para acalmar a situação. Antes de falar, devo pensar sempre no que vou dizer e como vou dizer. Muitas vezes é mais importante saber ouvir do que falar. Quando brinco com os meus amigos, tenho de ter cuidado em não exagerar nas brincadeiras, quer por palavras, quer por atos, nem ofender ninguém, presente ou ausente. Na minha relação com a televisão, o telemóvel, o acesso à internet para jogos ou redes sociais, devo procurar marcar o tempo de utilização e ser fiel a essa marcação. Sei que devo ser moderado na comida e na bebida para manter a saúde , o equilíbrio e o bem-estar. Devo esforçar-me por cumprir todos os dias com os deveres de cada momento, quer em casa, quer no colégio quer na sociedade.

Aquele que é disciplinado e mantém o controle das sua emoções, desejos e impulsos tem um excelente entendimento daquilo que acontece consigo mesmo. Assim, é capaz de amenizar, as suas emoções negativas e prosseguir com um ânimo elevado em direção ao sucesso nos seus objetivos.

Para terminar, partilho uma citação de Augusto Couto: “Não há tempero mais eficiente, que a cordialidade desinteressada em qualquer relacionamento”.

Cultivemos a temperança. No próximo mês iremos refletir sobre a Prudência.