Em quase todas as casas há o lugar dos livros: um escritório simples; um cantinho improvisado na cozinha; uma estante de duas prateleiras no canto do quarto dos filhos; uma caixa arrumada debaixo da cama ou em cima de um armário poeirento; a mesinha de cabeceira; uma cesta arrumada ao lado da sanita. Seja onde for o seu lugar, o importante é que eles tenham um lugar. Tê-los faz-nos sentir cultos, integrados, viajados, conhecedores do mundo. Mas será este o lugar dos livros?
As crianças devem crescer com eles, vê-los nos seus lugares lá por casa. Conviver com livros é importante mas, fundamental, mesmo, é lê-los! Tê-los é uma coisa bem diferente! Felizmente, todos temos livros ao nosso alcance, já que a oferta nas bibliotecas é variada, rica e grátis.
Para gostar, temos de experimentar. Ler é como comer, escolher um parceiro para a vida, escolher uma camisa ou um vestido. Às vezes, temos de experimentar várias opções até encontrar a certa para nós. Comece a ler um livro como quem saboreia um prato novo ou como quem, em frente a um espelho, prova umas calças diferentes. Se estranhou o sabor da comida ou a forma como a peça de roupa lhe assentou, não desista já. Veja bem, habitue-se aos sabores, aos formatos. Às vezes, desistimos depressa demais! Os livros guardam o melhor para mais tarde, podem não fascinar imediatamente, mas levar-nos, bem devagarinho, numa escalada de emoções. Dê várias oportunidades aos livros. Comece por um qualquer… mas comece, não pela cultura que lhe trará ou pelo estatuto que se confere a quem lê muito, mas pelo prazer de entrar numa dimensão de palavras e ideias, pelo gosto de se identificar ou de se contrapor com o que leu… por tudo o que, secretamente vai sentir e que ficará só entre si e o livro.
Pesquise! Procure conhecer a pessoa que escreveu aquele livro. Crie uma empatia com ela, perceba as suas raízes, o seu estilo. Conheça outros títulos por ela escritos, saiba o que esperar sem saber as surpresas que a sua escrita lhe reserva. Criar esta relação com o autor é um ponto de partida fundamental. Quando falamos aos nossos alunos da ligação de Miguel Torga à terra natal, eles devoram a sua poesia e os seus contos, na ânsia de descobrirem essa substância nas palavras. Quando as crianças percebem a dinâmica entre Sophia, a floresta e o mar, as suas personagens tornam-se fascinantes e os lugares descritos adquirem uma familiaridade inexplicável. E que dizer de Camões ou Pessoa? Conhecê-los e à sua época, às suas crenças, à sua forma de estar e de ver o mundo provocam em nós, leitores mais ou menos experientes, uma identificação com as palavras que nos permitimos acolher. É mesmo fantástica esta operação que se dá em nós quando já estamos, a todo o vapor, imbuídos no universo das palavras.
Os livros convidam-nos a entrar. Entremos, nem que seja por boa educação. Depois, logo se vê! Depois de estarmos lá dentro, tudo pode acontecer! Quem sabe? Entre e, logo se vê! Dê o primeiro passo e, logo se lê!
Leia sozinho, com as crianças, de olhos abertos ou fechados.
Se, mesmo assim, ainda não encontrar dentro de si o lugar dos livros, finja que gosta de ler e leia até gostar mesmo. Não desista de ler como não desiste de comer. Por vezes é marisco, leitão… outras, toucinho do céu, pudim francês… açúcar, sal, pimenta e alho. Ler alimenta, também!
Prof.ª Ana Sofia Ribeiro