Antes de abordar o tema a que o título alude, gostaria de iniciar este artigo com duas considerações relacionadas e de grande importância.
A primeira, é alertar para a predisposição generalizada das sociedades contemporâneas se focarem numa visão excessivamente idílica do mundo e do ser humano. Por um lado, enfatiza-se, de forma desfasada da realidade, o Homo Sapiens Sapiens como uma espécie inata e generalizadamente dotada de uma bondade pura e, por outro lado, insiste-se num primado do belo sobre o feio (no sentido estético e moral da vida), escamoteando a existência de condições aversivas como a violência ou a crueldade.
A segunda, diz respeito à propensão frequente para a “psiquiatrização” de emoções, como a tristeza ou a ansiedade. Porém, estes “estados de alma” têm relevantes funções filo e ontogenéticas, ou seja, são essenciais para a sobrevivência das espécies e para o desenvolvimento harmonioso do indivíduo, respetivamente. A tristeza, por exemplo, é fundamental para reagirmos apropriadamente a uma situação negativa, impulsionando-nos, normalmente, para a mudança (interna e/ou externa) que permite eliminar o mal-estar.
Ora, a visão excessivamente cândida e irrealista do mundo e da vida e a “psiquiatrização” das emoções desagradáveis, podem potenciar o desenvolvimento de fragilidades caracteriais, tornando-nos mais propensos a sermos excessiva e desproporcionadamente afetados por eventos adversos ou a revelarmos dificuldades de adaptação a novas circunstâncias. Assim, paralelamente à satisfação de todas as necessidades básicas (saúde, alimentação, educação, proteção, etc.) e afetivas que os pais, as escolas e a sociedade em geral devem providenciar às crianças, é também importante que, sem nunca abdicar de uma atitude vigilante, lhes permitamos desenvolver a autonomia necessária para a resolução dos seus próprios conflitos e desafios e, ao mesmo tempo, lhes apresentemos, de forma adequada à idade e ao estado de desenvolvimento psicoafetivo, o mundo real.
Dito isto, a ansiedade é doença? A ansiedade, palavra que deriva etimologicamente do latim anxietas, significa inquietação ou preocupação. Embora comummente seja entendida como um estado patológico, a ansiedade é uma reação normal a um estímulo percebido. De facto, num sentido mais primário de sobrevivência, poderá dizer-se que é um sinal de alerta instintivo e imprescindível perante um perigo, preparando-nos para a luta ou a fuga. Define-se, geralmente, como uma sensação vaga, desagradável e difusa, frequentemente acompanhada por sintomas físicos. Como sinal de alerta ou reação temporalmente limitada à duração de um estímulo compreensivelmente ansiógeno, tem, pois, um carácter adaptativo.
Não reagimos todos da mesma maneira a uma determinada situação. A forma como esta é percebida como ameaçadora ou stressante depende da sua natureza, intensidade, duração e dos recursos de coping do indivíduo. Assim, há pessoas que, ainda dentro do espectro do que é considerado normal, se sentem mais ansiosas do que outras com um teste escolar ou um exame médico. E esta ansiedade, dita normal, é muito importante, porque, quando está em causa a resolução de uma problema, nos foca no objetivo, “recrutando” os recursos cognitivos e emocionais necessários para o concretizar.
Quando é que, então, a ansiedade assume um carácter patológico? Quando a sua intensidade é desproporcional à causa (por exemplo, ter medo de formigas), quando persiste com a mesma ou maior intensidade depois do que a provocou ter cessado ou ter diminuído de gravidade (por exemplo, continuar, em janeiro de 2022, a sentirmo-nos tão ou mais ansiosos relativamente à pandemia como em janeiro de 2021), quando produz evitamento (por exemplo, não sairmos de casa porque receamos cães vadios) e quando surge repentinamente e de forma cíclica sem razão aparente, interferindo de forma persistente com a performance e o bem-estar de um indivíduo. A etiologia é, claro, variável de indivíduo para indivíduo e pode ser, em muitos casos, multifatorial.
Relativamente a tratamentos possíveis da ansiedade patológica, não julgo relevante abordar as soluções farmacológicas ou psicoterapêuticas realizadas por profissionais qualificados. Quero, antes, frisar que o foco da Medicina, e dos cuidados de saúde em geral, deverá ser sempre, em primeira instância, a prevenção da doença e a promoção da saúde. Assim, coisas que parecem, por vezes, banais, como a alimentação saudável, o exercício físico, a sociabilização ou o envolvimento em atividades lúdicas, são da maior importância para a preservação da saúde mental. Por outro lado, não termos receio de partilharmos as nossas preocupações com alguém da nossa confiança (p.e. pais ou professores) é da maior importância para podermos aprender a lidar melhor com determinadas adversidades. Não devemos ter vergonha de abordar qualquer assunto nem fazer dele um tabu. Também, não devemos ter receio ou vergonha de errar. Errar faz parte da vida e o que é importante é que utilizemos o(s) erro(s) como instrumento(s) de aprendizagem e maturação emocional.
Por último, cabe aos pais e a toda a comunidade (social e escolar) criar condições para que o diálogo intergeracional seja aberto, sincero e não amputado por preconceitos ou tabus. Só assim se criará o à vontade para que, se necessário, as crianças e os adolescentes verbalizem connosco as suas preocupações e dúvidas e nós os possamos ajudar.
Autor: Psiquiatra, Luís Fonseca – pai da Inês (11ºC) e Pedro Fonseca (3ºA)
foto: Kat J